segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Paz Possível


A   p a z   p o s s í v e l

O silêncio absoluto não existe. O único modo de encontrar o silêncio é libertando-se de todos os incômodos, deixando para trás os ruídos de uma vida caótica e cheia de sentimentos extremos. Obviamente, contudo, isto é uma utopia.
A paz – que pode ser compreendida como um sinônimo deste silêncio – é um sonho que todas as filosofias humanas até este momento têm perseguido. Uns procuram encontrá-la nas coisas materiais e palpáveis; outros julgam-na abstrata e imanente, isto é, interior e inseparável do sujeito. De todos os modos, perseguem um ideal que torna a existência incompleta e a verdadeira paz (a paz possível) algo difícil de alcançar.
O lado ruim desta busca por um ideal é evidente: quando o homem ignora todos os problemas, deixando-se levar pelas decisões de outros homens privilegiados com poder político, torna-se um animal adestrado, um ser que irá para o abate de bom grado na hora que isto convir aos seus líderes. Os marxistas chamariam este homem de “alienado”, os estoicistas o chamariam de “feliz”, mas o pensamento que se adéqua melhor ao nosso tempo é muito semelhante àquele que em outras épocas inspirou combates: será esta a paz que precisamos? Esta pax romana administrada com terror físico e ideológico pode realmente se sustentar?
A resposta é NÃO.
Embora seja a opção mais confortável, esta paz permanecerá conduzida por uma minoria populacional (geralmente a mais rica e bem armada). Aqueles que controlarem o sistema serão os mesmos que ditarão as regras. Só que regras sociais atingem diferentes classes de diferentes maneiras. O que é confortável a um rico (como o pagamento de fianças) é completamente injusto com o pobre (que permanecerá preso). O que interessa a um governo autoritário (como a violência policial) pode promover um etnocídio e destruir a memória de movimentos libertários. Num país como o nosso, de classe média emergente, é comum que cresça o pensamento fascista e é neste momento que esta informação deve ser propagada: as maiores atrocidades cometidas por seres humanos deram-se quando a maioria da população passou a ver a violência com bons olhos. 
“Bandido bom é bandido morto”, ouvimos aqui e acolá. De repente, o esporte mais popular do país está se tornando a luta livre. O Exército está subindo a favela. O delegado afirma no jornal que vai “limpar” a cidade. Policiais testam o gás de pimenta em jovens como se fossem crianças empolgadas com um brinquedo novo.
O governo de São Paulo impede a imprensa de entrar em Pinheirinho durante a “realocação” da população para um bairro novo (sem esgoto e sem água) e o país nunca saberá da mãe que teve sua filha de 4 anos assassinada por um policial e, na tentativa de localizar o corpo da menina, entrou numa ambulância e desapareceu para nunca mais dar notícias. O país nunca terá estatísticas para medir a quantidade de jovens pobres, negros, homossexuais, viciados, que são assassinados pela PM de madrugada e nunca chegarão a um cemitério porque, para o sistema, valem menos do que indigentes. Que merda de paz é essa? 
Este silêncio que ouvimos agora é tão mentiroso quanto esta paz. Ele é resultado de uma hipnose que já dura décadas. A paz que precisamos, neste momento, não é interna ou externa. Temos de admitir com urgência que a paz que precisamos está na luta constante contra a opressão. Precisamos questionar todo tipo de dominação com os melhores argumentos para que cada vez mais pessoas saibam lutar por si mesmas e pelas pessoas que as interessam. Devemos lutar para salvar nosso mundo, não o mundo de alguns de nós, porque nenhum ser humano nasce melhor do que outro. Só se pode olhar outro homem de cima se for para ajudar-lhe a se levantar. 

Por Daniel Magalhães

texto retirado do Zine: Heresia Coletiva 

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