O
silêncio absoluto não existe. O único modo de encontrar o silêncio é
libertando-se de todos os incômodos, deixando para trás os ruídos de uma vida
caótica e cheia de sentimentos extremos. Obviamente, contudo, isto é uma
utopia.
A
paz – que pode ser compreendida como um sinônimo deste silêncio – é um sonho
que todas as filosofias humanas até este momento têm perseguido. Uns procuram
encontrá-la nas coisas materiais e palpáveis; outros julgam-na abstrata e
imanente, isto é, interior e inseparável do sujeito. De todos os modos,
perseguem um ideal que torna a existência incompleta e a verdadeira paz (a paz
possível) algo difícil de alcançar.
O
lado ruim desta busca por um ideal é evidente: quando o homem ignora todos os
problemas, deixando-se levar pelas decisões de outros homens privilegiados com
poder político, torna-se um animal adestrado, um ser que irá para o abate de
bom grado na hora que isto convir aos seus líderes. Os marxistas chamariam este
homem de “alienado”, os estoicistas o chamariam de “feliz”, mas o pensamento
que se adéqua melhor ao nosso tempo é muito semelhante àquele que em outras
épocas inspirou combates: será esta a
paz que precisamos? Esta pax romana
administrada com terror físico e ideológico pode realmente se sustentar?
A
resposta é NÃO.
Embora
seja a opção mais confortável, esta paz permanecerá conduzida por uma minoria
populacional (geralmente a mais rica e bem armada). Aqueles que controlarem o
sistema serão os mesmos que ditarão as regras. Só que regras sociais atingem
diferentes classes de diferentes maneiras. O que é confortável a um rico (como
o pagamento de fianças) é completamente injusto com o pobre (que permanecerá
preso). O que interessa a um governo autoritário (como a violência policial)
pode promover um etnocídio e destruir a memória de movimentos libertários. Num
país como o nosso, de classe média emergente, é comum que cresça o pensamento
fascista e é neste momento que esta informação deve ser propagada: as maiores
atrocidades cometidas por seres humanos deram-se quando a maioria da população
passou a ver a violência com bons olhos.
O
governo de São Paulo impede a imprensa de entrar em Pinheirinho durante a
“realocação” da população para um bairro novo (sem esgoto e sem água) e o país
nunca saberá da mãe que teve sua filha de 4 anos assassinada por um policial e,
na tentativa de localizar o corpo da menina, entrou numa ambulância e
desapareceu para nunca mais dar notícias. O país nunca terá estatísticas para
medir a quantidade de jovens pobres, negros, homossexuais, viciados, que são
assassinados pela PM de madrugada e nunca chegarão a um cemitério porque, para
o sistema, valem menos do que indigentes. Que merda de paz é essa?
Este
silêncio que ouvimos agora é tão mentiroso quanto esta paz. Ele é resultado de
uma hipnose que já dura décadas. A paz que precisamos, neste momento, não é
interna ou externa. Temos de admitir com urgência que a paz que precisamos está
na luta constante contra a opressão. Precisamos questionar todo tipo de
dominação com os melhores argumentos para que cada vez mais pessoas saibam
lutar por si mesmas e pelas pessoas que as interessam. Devemos lutar para
salvar nosso mundo, não o mundo de alguns de nós, porque nenhum ser humano nasce
melhor do que outro. Só se pode olhar outro homem de cima se for para
ajudar-lhe a se levantar.
Por Daniel Magalhães
texto retirado do Zine: Heresia Coletiva
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